Blade Runner 2049

Blade Runner 2049 (2017)

Dirigido por Denis Villeneuve


Título original
Blade Runner 2049
Lançamento
04/10/2017
Gêneros
Ficção científica, Drama
Duração
2h 44m
Sinopse
Após descobrir um segredo enterrado há muito tempo, que ameaça o que resta da sociedade, um novo policial embarca na busca de Rick Deckard, que está desaparecido há 30 anos.
Elenco

Avaliação média
10.0
10.0

Publicado em 09 de agosto de 2024

Blade Runner 2049

Por Vandeson NunesVandeson Nunes

“Eu vi coisas que vocês não acreditariam. Naves de ataque em chamas perto do ombro de Órion. Eu vi raios-C brilharem na escuridão, próximos ao Portão de Tannhäuser. Todos esses momentos se perderão no tempo, como lágrimas na chuva. Hora de morrer.” A frase icônica do replicante Roy, interpretado magistralmente por Rutger Hauer em Blade Runner, expressa toda a humanidade e o desejo de viver que o personagem tanto buscava. Exemplo de um roteiro bem escrito, o tocante diálogo demonstra que Roy era talvez mais humano que Deckard (Harrison Ford), o detetive encarregado de “aposentar” replicantes, que ouve reflexivamente as últimas palavras do “vilão.” Lançado em 1982, Blade Runner – O Caçador de Andróides, dirigido por Ridley Scott, foi um fracasso inicial, prejudicado pelo lançamento simultâneo de E.T. – O Extraterrestre, a maior bilheteria dos anos 80. A adaptação do livro Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?, de Philip K. Dick, foi amplamente incompreendida em sua estreia, mas é um exemplo de como uma revisão detalhada pode mudar o rumo das coisas: dez anos depois, o filme retornou aos cinemas com a versão do diretor, apresentando mudanças significativas, algo bastante comum em Hollywood hoje. A partir de então, o filme recebeu o devido reconhecimento, tornando-se um clássico cult e tema de inúmeros debates sobre filosofia, vida, amor e questões intrigantes (como a possibilidade de Deckard ser um replicante), além de ganhar sua versão definitiva em 2007. Uma obra ímpar e essencial para o gênero da ficção científica, Blade Runner é um filme de muitas perguntas e poucas respostas. Respostas que podem ser encontradas, ou não, na tardia e aguardada continuação Blade Runner 2049. A sequência do clássico foi planejada por décadas com Scott no comando (o diretor afirma que Blade Runner sempre foi sua melhor obra), mas seu ritmo de produção, que incluía Êxodo: Deuses e Reis, Perdido em Marte e Alien: Covenant, o impediu de assumir novamente a direção (embora tenha mantido o papel de produtor). Coube ao diretor mais celebrado do momento a importante missão: Denis Villeneuve, dos aclamados Sicario: Terra de Ninguém e Os Suspeitos, é digno de confiança, e sua contratação aumentou as expectativas dos fãs e cinéfilos. Após uma sequência de filmes bem recebidos pela crítica, como A Chegada, Villeneuve acertou novamente. Blade Runner 2049, felizmente, é uma continuação digna e um exemplo de cinema de alta qualidade. Escrito pelo mesmo roteirista do original, Hampton Fancher, em colaboração com Michael Green (Logan), o filme ainda se passa naquela megalópole de clima e visual poluídos. A chuva é constante e parece não haver mais salvação para o planeta. Mensagens subliminares e consumistas e luzes de neon ainda permeiam o cenário. Trinta anos após Deckard e sua amante Rachael desaparecerem, os replicantes estão mais avançados: cortesia do enigmático Niander Wallace (Jared Leto, em um papel inicialmente reservado para o saudoso David Bowie) e sua indústria, os andróides têm suas “vidas” prolongadas por muito mais que quatro anos, mas ainda sofrem perseguição e discriminação. A trama segue o blade runner K (Ryan Gosling, em uma ótima atuação), que, após descobrir uma anomalia em um corpo de uma replicante que pode gerar o caos se revelada, se envolve em uma perigosa investigação (com um charmoso clima noir) envolvendo as indústrias Wallace e o antigo policial Deckard. Assim como o personagem principal do filme anterior, K também cai em uma espiral de questionamentos existenciais e filosóficos. Blade Runner 2049, assim como o original, é tecnicamente uma obra-prima. Os efeitos especiais são excelentes e convincentes, auxiliando as poucas, mas bem-executadas, cenas de ação. A trilha sonora, composta por Hans Zimmer, Jóhann Jóhansson e Benjamin Wallfisch, é poderosa e remete ao trabalho marcante do grego Vangelis. A direção de arte é envolvente e crível, recriando perfeitamente o ambiente do longa de 1982: o contraste entre a escuridão e as luzes de neon; propagandas da Sony, Coca-Cola e até da empresa Atari são claramente visíveis. Há uma imersão naquela atmosfera envolvente e pessimista, também cortesia do diretor de fotografia Roger Deakins. Indicado várias vezes ao Oscar e premiado por este trabalho, Deakins realiza um trabalho simétrico de luzes e sombras com maestria. Se em Blade Runner: O Caçador de Andróides tivemos personagens femininas interessantes como Rachael (Sean Young) e Pris (Daryl Hannah), isso não mudou muito na continuação. Blade Runner 2049 nos apresenta mulheres de grande importância para a trama, influenciando o complicado caso de K. Ana de Armas esbanja simpatia, melancolia e sensualidade (preparem-se para o ménage à trois mais incomum da história do cinema) como Joi, um holograma de grande relevância na vida do blade runner; Robin Wright (de House of Cards) está, mais uma vez, imponente e segura como a chefe de K; e a holandesa Sylvia Hoeks pode ser considerada um grande achado. No papel da vilã Luv, replicante a serviço de Wallace, a atriz tem um arco bem construído e boas cenas de luta com Gosling. Pode não ter o mesmo peso de um Roy Batty, mas com certeza tem mais destaque e tempo em tela que Jared Leto. De volta à ação, Harrison Ford tem uma atuação contida e, mesmo aparecendo no fim do segundo ato, consegue compartilhar toda a solidão e os sacrifícios de Deckard, além de possuir boa química com Gosling (um “diálogo” entre os dois com Elvis Presley cantando Can’t Help Falling In Love é impagável). E vale uma menção a Dave Bautista, que voltou a trabalhar com Villeneuve nos dois ótimos filmes da série Duna. Mesmo aparecendo pouco, o Drax de Guardiões da Galáxia tem um monólogo instigante com K e demonstra que o ator tem bastante talento. Com uma duração desnecessariamente longa (o filme possui 2h40) devido ao tom contemplativo imposto por Villeneuve em diversos momentos, Blade Runner 2049 pode até cansar, mas recupera o fôlego rapidamente. Pode não se tornar um clássico imediato como o original, mas merece todos os reconhecimentos por manter o espírito do filme de Ridley Scott, permanecendo como um excelente estudo sobre o que (ainda) nos faz humanos e para onde estamos indo.