Dirigido por Justine Triet
"Anatomia de uma queda" foi um título curioso, pessoalmente falando, um filme de transição lenta que acompanha um julgamento com certos detalhes, normalmente não me agradaria, e surpreendentemente ele lhe prende na frente da tv do início ao fim. Com atuações espetaculares, com grande destaque para Sandra Hüller que até o fim te deixa sem certeza de nada, Milo Machado-Graner passa toda a inocência e principalmente inteligência acima do normal de uma criança, com fortes expressões e emoções, não menos espetacular a atuação do cachorro, atentem para isso, a fotografia é belíssima, imagens estonteantes esperam por quem assistir, e a marcante trilha sonora que vai ficar na sua cabeça com toda certeza. É um filme que apesar da temática, surpreende demais positivamente, todas as indicações que recebeu foram justas e merecidas, vale cada minuto assistir, ainda tem um plus, um belo debate sobre o tema central, o que será que realmente aconteceu?
"Anatomia de Uma Queda" é um filme francês lançado em 2023 cujo título original chama-se "Anatomie d'une chute". Dirigido por Justine Triet e roteiro co-escrito por Triet e Arthur Harari, o filme conta com Sandra Hüller no papel principal no qual interpreta Sandra Voyter, Swann Arlaud vive o personagem de Maître Vincent Renzi e Milo Machado-Graner é o jovem Daniel. O filme recebeu 5 indicações para o Oscar de 2024 e apesar de ser um filme francês, boa parte do filme é falada em inglês. Foi aclamado pela crítica e vencedor do Palma de Ouro no festival de Cannes de 2023, além de ter ganho outras premiações no Globo de Ouro de 2024. Um fato curioso é que Triet, em uma entrevista para o site de notícias americano Deadline, confessou que escreveu o roteiro já pensando em Hüller no papel principal. Elas já haviam trabalhado juntas no filme "Sibyl" de 2019. Na trama, a escritora Sandra Voyter é uma das principais suspeitas do assassinato do seu marido, Samuel Maleski. Toda construção e evolução do enredo, é feita sem correria. Como o assassinato é o tema central, tem-se todas as mais de duas horas focadas em desenvolver os mistérios ali presentes, onde o filho cego do casal é a única testemunha da morte do pai. Triet consegue prender a atenção do espectador o filme inteiro, à espera de respostas. A diretora consegue explorar diversas camadas dos personagens, revelando certos aspectos em momento oportuno. Isso, por sua vez, leva o espectador a refletir sobre os acontecimentos do filme. O filme tem vários pontos de destaque. E um deles é bem marcante, quando em determinado momento um personagem é colocado em uma situação de desconforto, a câmera se move de um lado para o outro rapidamente e várias vezes seguidas, causando uma sensação de desconforto também no espectador. Outro momento marcante é quando um personagem está relembrando algo ocorrido anteriormente, ao narrar o fato o filme mostra cenas do ocorrido mas com a voz sobreposta pelo narrador em total sincronia labial. E por fim, provavelmente o que mais marca no filme é a música P.I.M.P de 50 Cent. Dificilmente quem assiste ao filme não fica com essa música na cabeça. Não só por ter sido repetida diversas vezes, mas por estar vinculada a uma narrativa importante do filme. A narrativa do filme não teria todo o seu brilho se não fosse pelas atuações acima da média do elenco. Sem dúvida o destaque fica com Sandra Hüller, que recebeu merecidamente a indicação de melhor atriz pela primeira vez na carreira ao interpretar a escritora Voyter. Ela sustenta o filme do início ao fim com sua atuação transitando nos mais diversos sentimentos vividos pela sua personagem. É incrível como ela consegue passar os sentimentos que a personagem precisa em diversos momentos do filme, fica muito evidente e é algo que nem toda atriz ou ator consegue fazer no nível de excelência realizado por Hüller. "Anatomia de Uma Queda" aborda um possível assassinato, mas também aborda a complexidade de um relacionamento entre duas pessoas. Faz refletir sobre o papel dos pais com os filhos, responsabilidades, culpas, etc. Diga-se de passagem que o filme tem coragem de inverter certos papéis e evidenciar isso para que seja refletido. Na sociedade de hoje é muito comum visualizar a mulher no papel de abdicação, seja de trabalho ou estudos, para cuidar da família. Enquanto o homem trabalha para garantir o sustento da família. O que acontece quando esses papéis são invertidos? Quebra-se o paradigma de "família perfeita"? Ou existe uma família perfeita onde a mãe trabalha e o pai cuida dos filhos? O filme consegue trabalhar esses e outros questionamentos de maneira muito competente. Interpretações, roteiro, montagem, som, Triet consegue unir tudo isso de forma coesa e conta uma história que no fim faz o espectador refletir sobre si mesmo, sobre sua família e sobre a vida. A vida passa, mas o que é feito em vida fica para a posteridade. Seja para um número maior de pessoas, ou para um número menor. O homem criou regras para poder viver em sociedade e haver um mínimo de organização possível, mas nem tudo consegue ser resolvido perante a lei, algumas coisas acabam nunca sendo descobertas. Cabe a cada um fazer uma autocrítica e discernir o certo do errado. No final, a única pessoa que sabe tudo que ela fez, é ela mesma.